O cotidiano gratificante das pessoas com deficiência

Tendências / Autenticidade
Erika Dominiquini
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Federico Roales
jul. 1, 2022
Apesar de campanhas de conscientização1 2, esforços de ONGs e leis criadas pelo governo, as pessoas com deficiência no Brasil (em português, normalmente chamadas de PcD) ainda são mal representadas na mídia, perpetuando um status que as mantém marginalizadas e privadas de oportunidades para desenvolver suas vidas pessoais e profissionais. De acordo com a pesquisa mais recente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), estima‑se que 23,9% da população brasileira sofre de algum tipo de deficiência3, incluindo visual, física, auditiva, cognitiva ou outros tipos de deficiências. Dessas, 16 milhões (8,6% do total da população) sofrem com alguma deficiência severa. No entanto, as pessoas com deficiência são representadas em menos de 1% do conteúdo usado no Brasil.

A sociedade brasileira está fortemente comprometida com a inclusão das pessoas com deficiências: 98% dos consumidores acham que elas deveriam receber oportunidades iguais e 95% acham que as pessoas com deficiências têm tanto a contribuir para a sociedade quanto as pessoas sem deficiências. Assim, as narrativas visuais devem refletir as pessoas com deficiências de uma perspectiva não estereotipada: em vez de mostrá‑las sempre tentando superar desafios, incentivamos os narradores a contar histórias de pessoas com deficiência em ambientes de trabalho, colaborando com colegas que podem ou não ter deficiências, como parte de comunidades maiores dentro de salas de aula e em outras intersecções de identidade, como raça, etnia, identidade de gênero ou idade.
Estereótipos visuais
Dentro dos poucos exemplos que mostram a representatividade em imagens populares, as pessoas com deficiências são retratadas como pessoas que levam vidas sempre definidas por suas limitações: costumam ser mostradas sozinhas ou separadas de suas comunidades, sem um foco em suas histórias de vida, passados ou rotinas diárias. Na verdade, 2 a cada 3 imagens mostram brasileiros com deficiências em ambientes médicos e 41% os mostram recebendo cuidados, deixando implícito que eles não são autossuficientes. Por outro lado, muitos poucos são mostrados como os personagens principais vivendo experiências gratificantes de vida: apenas 2% das pessoas com deficiência são retratadas com um parceiro romântico, 6% são mostradas fazendo exercícios e apenas 12% aparecem como parte de um grupo ou comunidade, o que reforça a ideia de que a deficiência delas é o único aspecto de sua identidade que vale a pena ser mostrado.

Os estereótipos associados ao alcance e ao papel desempenhado pelas pessoas com deficiência dentro da sociedade impactam o modo com que elas são vistas: quase todo brasileiro com deficiência afirma ter sofrido preconceito devido a sua deficiência no último ano, de acordo com a pesquisa do VisualGPS. Além disso, 46% das pessoas com deficiências no Brasil observam que sofreram discriminação por serem “mais fracas” (principal motivo no país), enquanto 33% observam ter sofrido discriminação por serem consideradas “diferentes”. Assim, podemos inferir que mostrar pessoas com deficiências integradas em suas comunidades seria uma maneira mais inclusiva de representá‑las. 
Uma abordagem interseccional
Outro ponto difícil no que diz respeito à representação de pessoas com deficiências no Brasil é a falta de interseccionalidade. Interseccionalidade se refere à natureza interconectada das categorizações sociais que criam sistemas sobrepostos de discriminação. Como exemplo, embora os idosos sejam a faixa etária mais prevalente entre as pessoas com deficiências4, os visuais costumam se concentrar exclusivamente em jovens adultos ou crianças com deficiência. Além disso, embora as pessoas negras representem mais da metade da população do Brazil5, elas são mostradas em 13% dos visuais mais populares entre as pessoas com deficiências. Por fim, observar apenas os visuais populares sugeriria que as pessoas com deficiências podem não ter expressões de gênero, identidades de gênero ou orientações sexuais fora do padrão, uma vez que pessoas LGBTQ+ com deficiências raramente são mostradas. Assim, incentivamos a escolha de visuais poderosos que parecem genuínos e retratem as pessoas com deficiência de uma perspectiva autêntica, considerando diferentes interseções de suas identidades. 
Participação na força de trabalho
Outro aspecto importante de retratar pessoas com deficiência é mostrar sua participação na força de trabalho. Embora o Brasil tenha promulgado a Lei de Cotas há 21 anos6 para garantir que empresas com cem ou mais funcionários devam preencher parte de seus cargos com pessoas com deficiência, sua participação nos ambientes de trabalho ainda continua sendo um grande obstáculo.

Apenas 28,3% das pessoas empregadas com deficiência em idade de trabalhar (14 anos ou mais de idade) são contratadas, em comparação com 66,3% das pessoas sem deficiências empregadas7. Isso é replicado em representações visuais: apenas 1% dos recursos visuais do local de trabalho apresentam pessoas com deficiência. Dessa forma, o público não se acostuma a ver pessoas com deficiência trabalhando. Visuais que se afastam das perspectivas unidimensionais e retratam pessoas com deficiência realizando atividades laborais cotidianas como ir ao trabalho, interagir com clientes ou realizar reuniões com seus colegas de equipe, ajudam a evoluir a representação visual das pessoas com deficiência.
Fontes:
1Converse Ad
Meio e Mensagem
IBGE
4 IBGE
5 IBGE, 2019
Vagas
CNN Brasil
Cultura local na América Latina